CONTOS E PHANTASIAS


D. MARIA AMALIA VAZ DE CARVALHO


CONTOS
E
PHANTASIAS


2.a EDIÇÃO


LISBOA

PARCERIA ANTONIO MARIA PEREIRA
LIVRARIA EDITORA
Rua Augusta—50, 52 e 54
1905


LISBOA

Officinas Typographica e de Encadernação

Movidas a vapor
DA

Parceria Antonio Maria Pereira
Rua dos Correeiros, 70 e 72, 1.o
1905


PRIMEIRA PARTE


UMA HISTORIA VERDADEIRA

I

Era uma physionomia incaracteristica, apagada,tristissima.

Não se podia dizer a idade que tinha, nem mesmose tinha idade.

Tanto podia ter trinta ou quarenta como setentaannos.

Curvado pela idade ou pelos desgostos? Encanecidoporque os annos tinham corrido por sobrea cabeça d'elle, ou porque lhe tinham pesado duplamentesobre os hombros debeis?

Quem o podia dizer?

Era uma organisação acanhada e rachitica, podiamesmo chamar-se incompleta.

[8]

Para elle com certeza que a adolescencia nãotivera as suas madrugadas azues tão gorgeadas etão festivas, nem a virilidade tivera a fanfarra estridentedos seus clarins, a florescencia escarlatedos seus rosaes voluptuosos.

Tinha sempre vivido debaixo de uma estranhapressão dolorosa.

Dependêra de todos primeiro porque era fracoe inerme, depois porque fôra pobre, dependente,sem aquella aspera dignidade que os atrictos davida tornam mais rude e que é a armadura moralque salvaguarda o homem nos duros combates sociaes.

Nasceu n'uma casa opulenta que lhe não pertencia,cresceu no meio de um luxo de que seus paeserão parasitas voluntarios e de que elle era... parasitainconsciente.

Começára por ter medo de tudo e de todos; ummedo que não raciocinava, que não sabia, que nãoindagava mesmo a sua propria origem.

Nasceu assustadiço, como certos animaes silvestres,e toda a vida conservou a mesma expressãoinquieta e medrosa da lebre perseguida.

Em primeiro lugar tinha medo de seu pae; umhomem alto, espadaúdo, plethorico, de voz grossae modos brutaes, que comia como um abbade, quebebia como um lansquenete, que praguejava como[9]um carreiro, e que se vingava nos poucos entesque tinha debaixo do seu dominio, das complacenciasservis que era obrigado a mostrar aos que omantinham n'aquella farta ociosidade de commensalque só goza e não paga.

Depois tinha medo de sua tia; a dona da casa,a senhora, a suzerana ante a qual todos se curvavamsubmissos.

E no emtanto ella era bonita, delgada, flexivel,muito branca.

Uma figura ideal de pintor inglez.

Mas que culpa tinha elle, o pequenino parea, seos olhos d'essa graciosa e delicada senhora lhe pareciamfrios e metalicos, com umas scintillaçõesazuladas como as do aço fino? se as suas mãosesguias e brancas se lhe affiguravam duas tenazesque podiam apertal-o, apertal-o até o torceremtodo, até o esphacelarem e fazerem d'elle, do seupequeno corpo tão fraquinho, uma grotesca massainforme, que o mundo inteiro pisasse, onde o mundointeiro cuspisse!

Seria allucinação d'aquelle cerebro enfermo econdemnado ás scismas doentias?

Quem sabe?

O caso é que o sentia, e que nunca pudera esquivar-sea essa preoccupação intensa e dilacerante!

Um d'estes dous e

...

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