QUATRO NOVELAS
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rua Ferreira Borges, 115—Coimbra.{3}
ANNA DE CASTRO OSORIO
QUATRO NOVELAS
A VINHA.
A FEITICEIRA.
DIARIO DUMA CRIANÇA.
SACRIFICADA.
COIMBRA
FRANÇA AMADO—EDITOR
1908
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Luis sahira para o colegio ainda criança e de lá para as escolas superiores;assim os anos tinham decorrido sem que nunca mais visitasse a terra natal.
Dez anos, dez longos anos se tinham passado, e só agora voltava, como umforagido ou como um ladrão, que enlouquecido de saudades arrisca a vida e aliberdade para revêr a terra que primeiro conheceu e é sempre para o homem amais querida, a mais bela, a melhor de todas.
E—pobre Luis!—era na verdade como um foragido que voltava, escondendo-separa que o não vissem, envergonhado dessa fraqueza sentimental que já não ianada bem com os seus galões de guarda-marinha e o seu bonito bigode aensombrar-lhe o labio superior.{8}
E voltava amesquinhado aos seus proprios olhos, elle que se julgava tãoimportante pelos estudos transcendentes, que seguira com certo brilho, porquesó agora compreendia o sacrificio de cada momento, a luta de cada hora, overdadeiro heroismo obscuro e respeitavel que a sua educação representava navida da familia.
Compreendia, afinal, um pouco tarde demais para que a consciencia lheficasse limpa de remorso, quanta mentira santa fôra preciso inventar, comquanta delicadeza envolver as palavras, quanta historia arquitétar para queelle aceitasse sem desconfiança o propositado afastamento em que o tinhamconservado durante esse longo periodo de tempo.
Chegara por vezes a pensar, as poucas ocasiões em que reparara nisso, que odesprezavam, que era um pária, que os pais afastavam receando a vergonha de oapresentarem como seu herdeiro e continuador.
Dizia-lhe a consciencia que tal procedimento não era justo, porque—se éverdade que não fôra nunca um estudante desses que se mostram com desvanecidoorgulho, carregados de distinções e premios que esmagam o proprio dôno eirritam os companheiros,—é certo que o curso lhe sahira limpo, seguido como deempreitada, numa indiferença risonha{9} de quem olevava com uma perna ás costas.
Lembrava-se de pensar ás vezes no facto, um tanto irritante, do seuafastamento sistematico da casa paterna, e pôr-se consigo a acusar os pais; masá mais leve referencia acudia uma carta de Eduarda, que varria do seu coração,voluvel e bondoso, a desconfiança cruel.
Era sempre a mesma delicadeza inteligente, procurando as palavras para nãomaguar nem esclarecer, fugindo graciosamente duma pergunta mais nitida, dizendopouco em longas cartas, que satisfaziam plenamente a sua ansiedade de momentomas muito deixavam escondido nas dobras duma alma que se não pode expandir, sobpena de infelicitar os outros.
Eduarda, apenas mais velha dois anos do que Luis, fôra desde criança umapequena figura simpatica de mulher, dessas mulheres adoraveis sem deixarem deser profundamente